sexta-feira, 13 de abril de 2007

ASSIM

Já houve tempo que o homem caminhava a procura de seu ideal como, alias, poderá acontecer novamente, mas, os tempos são outros e o homem caminha a procura sabe-se lá do que. Poderia até ser verdadeiro o boato recentemente chegado à cidade de que um homem estranho, municiado que estava com uma longa capa, chapéu escuro e bota longa, havia procurado por mim no bar da graviola. Mas, o que pensar, nada que havia feito poderia trazer alguém de fora a minha procura, ou melhor, quem de fora poderia se lembrar de mim para se dirigir até minha cidade, a minha procura. Por mais de vinte e cinco anos não arredava pé fora do lugar que escolhera para viver e, antes disso, minhas saídas foram tão insignificantes, que não conseguia achar o motivo para ser procurado. Até mesmo as pessoas de minha cidade não me procuravam e, quando iam até minha presença era porque, de uma certa forma, era inevitável ficarem sem a orientação que precisavam. No mais, estava eu sempre sozinho as voltas com meus afazeres, com medo da doença há pouco descoberta, longe de tudo e de todos. Imerso em meus problemas, sempre na expectativa de chegarem problemas novos, mal conseguia resolver os antigos e agora, alguém estava a minha procura. Por um momento pensei que os problemas antigos, por estarem desprezados haviam tomado forma e, pior, haviam tomado forma humana, desconhecida e vestida para melhor me atormentar. Era, pois, noite quando me dei conta que passei o dia todo pensando na figura que andara procurando por mim. A luz de meu quarto estava apagada, algumas formas estavam, todavia, desenhadas na parede em decorrência da luz prateada da lua que invadia meu quarto pela janela, colocada a minha esquerda. Algumas das formas se assemelhavam ao que ia em meu interior, refletiam meus anseios, minhas duvidas, meus receios e outras, nada diziam e se passavam por seres de minha infância, que já não causavam medo algum. Outras, por sua vez, causavam-me arrepio só de imaginar que ali estavam. Pareciam ter vida e pensavam. Mas, nada disso me preocupava, mas, sim, o fato de que não me dei conta que já escurecera, que já era tarde da noite e nada havia comido e nem bebido. Uma fome intensa agora me incomodava e a sede afogava o meu espírito a ponto de fazer com que poderia eu sair dali, de meu quarto, e procurar o que existia de qualquer coisa la fora. Não, sair dali naquele momento e deixar todas aquelas formas sem qualquer vigia era um risco que não poderia correr. Como então acender a luz e dissipar os convidados que, se ali estavam, era porque os havia chamado através da solidão que sempre invadia meu ser...

O QUARTO

Alcancei a cozinha e pude verificar que fazia dias que não comprara nada para comer e, me limitei a sorver um gratificante gole de água. Não saciado procurei alcançar a porta de saída, mas, fui colocado no chão por uma pancada que, mas tarde, descobri ter vindo por trás, em minha nuca, desnorteando-me e fazendo com que perdesse, por alguns momentos a consciência. Não sei quanto tempo fiquei desacordado e, ainda era noite quando a dor que sentia fez com que abrisse os olhos. Levantei-me, com muito medo, e imaginei ter sido vitima de algum assaltante desavisado, uma vez que nunca tinha em minha casa qualquer coisa que valesse a pena ser roubada. Porém, como pude ver, nada faltava em toda a casa, tudo estava exatamente no mesmo lugar de sempre. O quarto. Ainda não fora até o quarto, meu amigo inseparável...

EM CASA

Muito embora algumas figuras fossem novas, outras já ali estiveram, a chamado meu, para compartilharem meus anseios, minhas duvidas e minha tristeza. Assim, ainda na dúvida passei a buscar em meu quarto a razão de minha existência, de minha vida, de minha morte e, pior, como seria minha morte. Ao meu lado, uma pequena mesa redonda, de carvalho muito velho, carregava alguns livros; em minha frente a cama, minha única companheira que ainda não se via arrumada e, já fazia mais de três dias que ninguém se importava com ela, deixando-a com os lençóis amarrotados e já quase com a marca de meu corpo fixado ali definitivamente. A parede do lado direito, que se opunha à janela, levava em seu meio um quadro de um certo pintor famoso, que já não lembro o nome, pintado por uma amiga de infância a contra-gosto e, entregue a mim da mesma forma. A mesa que se postava quase que ao lado da cama estava abarrotada de papeis sendo uns escritos outros não, mas, eram tantos que faziam pilhas e mais pilhas. Podia-se se ver ainda alguns jornais que ali estavam há semanas, já lidos e relidos, com suas noticias ultrapassadas, mas completamente atuais face ao momento onde, para arrepio meu, pode-se notar que sempre era repetido. E a luz, oriunda de uma lâmpada mal colocada estrategicamente no quarto não brigava comigo eis que, eram raras as vezes que eu a acendia, incomodando-a. A pintura do quarto era, como a de toda a casa, de uma cor sempre intrigante, pois, os antigos donos talvez por saberem que iam vendê-la fizeram questão de dar-lhe uma cor a título de vingança pelos cruéis momentos que por ali passaram. Eu, por minha vez, até gosto da casa, como gosto do meu quarto e das coisas que ali estão. Quanto à pintura tenho minhas duvidas. Ainda na cadeira, ao lado de minhas imagens, podia ver minhas roupas, de cores taciturnas, como meu espírito. Dizem alguns que as roupas refletem o íntimo de seus donos e, fosse verdade isso, devia eu estar então já ao lado de meus antepassados, em uma cova, pois, procurava sempre me vestir com roupas pesadas, de cor marrom ou preta e, de preferência envelhecida pelo uso do guarda-roupa. Nunca me prestei a usar, imediatamente, qualquer roupa que comprasse. A deixava por algum tempo guardada como que para se acostumar com o local, e, depois comigo. Ai então a vestia e, se gostava muito dela fazia com que não voltasse logo para seu lugar, a vestindo por dias seguidos, o que, de uma certa forma, trazia um certo mal estar para aquelas poucas pessoas que vinham me ver ou que encontrava na rua, quando saia de casa. Minhas botas estavam há muito precisando de cuidados e, era o que mais gostava uma vez que vestiam muito bem o dono, de forma confortável. Uma cadeira se contrapunha ao sofá de pano amarelo onde me encontrava. Não uma cadeira qualquer, mas, escolhida a dedo e com critério rigoroso. Era, como o sofá, bastante cômoda, de madeira de carvalho como a pequena mesa ao meu lado, integrando o ambiente lúdico. Assim, já incomodado pela fome e sede dei uma rápida olhadela por todo o quarto, cujo piso de tabua corrida sem cera, resmungava sempre que por ali passava, passei as mãos pelos braços do sofá, agradecendo-o pela hospitalidade e, mesmo no escuro, fechei a janela a fim de dispensar as imagens que ali estavam a me visitar. Sem tatear dirigi-me à porta, levando comigo as questões possíveis e que poderiam ser discutidas com o estranho que estava a me procurar...