sábado, 5 de julho de 2008

O INDIVÍDUO


É sabido que a sociedade de consumo possui por valor a gratificação instantânea e da felicidade individual. A sociedade de consumidores considera os feitos dos mártires, heróis e todas as suas versões híbridas quase incompreensíveis e irracionais e, portanto, ultrajantes e repulsivos. Essa sociedade promete uma felicidade fácil que pode ser obtida por meios inteiramente não-heróicos e que, portanto, devem estar, tentadora e satisfatoriamente, ao alcance de todos os consumidores. Assim é a vida atual onde a compensação se torna a meta do individuo vilipendiado através de suas proprias aspirações. É preocupante o fato de que mesmo vivendo em grupo, na busca pela segurança, pelo trabalho, pela constituição de renda, o individuo ainda se ve compelido a ferir seu semelhante seja fisicamente ou moralmente. Deixa, então, de lado possibilidade de fazer o bem e parte para a auto destruição. Ser um indivíduo significa ser diferente de todos os outros. Ser um indivíduo significa “eu sou quem eu sou”. O que quer dizer: um ser singular, a única criatura feita desta forma peculiar; profundamente única. A individualidade é tarefa intrinsecamente auto-referencial. É a busca pelo verdadeiro “eu” que está escondido em algum lugar da obscuridade no interior do nosso ser, não afetado pelas pressões externas. Individualidade é autenticidade, ser fiel a si mesmo, ser o verdadeiro “eu”.
A individualidade é escolher livremente e de definir todas as ações como originárias da livre escolha. Nesse domínio do face a face, a individualidade é afirmada e renegociada diariamente na atividade contínua da interação. Ser um indivíduo é aceitar a responsabilidade pela direção e pelas conseqüências da interação. Tal responsabilidade não pode ser contemplada sem que os atores tenham o direito de escolher livremente o caminho a seguir. A individualidade gera a comunidade fundada na cooperação.
Cada pessoa encontra obstáculos no seu caminho para a individualidade de fato. A individualidade de fato não é fácil de conseguir, muito menos de preservar. A busca pela individualidade significa uma luta para toda a vida. A busca da individualidade não deixa tempo para outra coisa. Na corrida pela individualidade, não há intervalo, no entanto, a comunidade oferece condições para o pleno desenvolvimento da autonomia.
O emergir da individualidade assinala, não resta dúvida, um progressivo enfraquecimento do poder verticalizado, a desintegração ou destruição da densa rede de vínculos sociais que amarram com força a totalidade das atividades da vida social. Com o desenvolvimento da individualidade os padrões das rotinas diárias são deixando de ser vistos como incontestáveis e auto-evidentes. A busca interior para fazer emergir a individualidade abala profundamente os alicerces do sistema capitalista.
A singularização não deixa de ser um perigo para os donos do poder que elaboraram uma sociedade totalmente voltada para a exterioridade com as seguintes características: superficialidade, efemeridade, lucratividade, consumo, segurança, competência, modernização, eliminação do antigo, busca constante do prazer. O único cerne identitário que se pode ter certeza de que vai emergir nesta sociedade do lucro é um ego impermanente, completamente incompleto, definitivamente indefinido e autenticamente inautêntico.
Para viver nesta sociedade virtual elaborada pela burguesia foi necessário substituir o ser humano autônomo que vivia em comunidade por um ser humano virtual com uma individualidade também virtual. Vários são os métodos empregados para elaborar o homem virtual, entre eles podemos salientar:
1 Elaboração de um discurso negando a existência da individualidade natural e mostrando a existência de pressões que impedem o direito de livre escolha. Salientam que existem pressões contínuas, esmagadora e irresistível do fato social que torna a livre escolha fora do alcance do ser humano.
2 Para interpretar os nossos sentimentos profundos o sistema elaborou inúmeros profissionais que podem nos ajudar a entender o nosso interior. Quando existe procura a oferta não demora a aparecer. Em nossa sociedade de indivíduos que buscam desesperadamente sua individualidade, não há escassez de auxílios e pelo preço certo os profissionais se mostrarão totalmente dispostos a nos guiar pelos calabouços sombrios de nossas almas. Dessa forma muitos acabam perdidos na estrutura do pensamento de determinado programa ou no sentimento da impossibilidade de conseguir autonomia ou individualidade. Substituíram a busca do próprio sujeito por caminhos indicados pelos outros.
3 A sociedade virtual não pode existir sem controle. O controle determina para onde ir anulando a liberdade natural da livre escolha. O sistema fornece a bússola que indica os objetivos que as pessoas devem atingir. A possibilidade de escolher seu próprio caminho é inexistente.
4 O caminho que leva à individualidade é uma batalha em curso sendo uma luta interminável entre o desejo de liberdade e a necessidade de segurança. Por essa razão, as guerras de identidade provavelmente permanecerão inconclusas e, com toda a probabilidade, é impossível vence-las, pois, o sistema trabalha e valoriza a segurança virtual. A busca pela segurança individual supera os valores da autonomia humana.
5 A lógica do consumismo serve às necessidades dos homens e das mulheres em luta para construir, preservar e renovar a individualidade virtual e, particularmente, para lidar com a dúvida ou hesitação sobre a individualidade real. A luta pela singularidade agora se tornou o principal motor da produção e do consumo de massa: “Seja você mesmo – prefira Coca Cola”. Para entrar e permanecer na corrida é preciso ter um carro de luxo e uma casa esplêndida. Ser um indivíduo virtual numa sociedade de indivíduos virtuais custa dinheiro, muito dinheiro.
6 Neste mundo de estilo empresarial a individualidade natural é substituída pela competência em gerir os negócios buscando o lucro instantâneo, a administração das crises e a limitação dos danos.
7 As classes instruídas que atualmente constituem o cerne articulado e auto-reflexivo da emergente elite são chamados de híbridos. A hibridização isola o híbrido de toda e qualquer linha comum. A hibridização passa a ser uma declaração de autonomia virtual, pois, são diferentes das outras pessoas, são culturalmente especiais. O fato de os outros serem deixados para trás fortalecem nos híbridos suas convicções e suas alegrias.
8 A busca autonomia natural é substituída pelo demoronamento ou no desmantelamento forçado das rotinas da vida e das redes de vínculos humanos e compromissos mútuos, eliminando toda possibilidade da existência comunitária.
9 A individualidade natural é substituída pela pertença grupal a uma religião, a um time de futebol, a uma associação de classe.
10. A individualidade foi substituída pelo egoísmo desenfreado que destrói.
Observamos, pois, que a individualização natural forma uma comunidade onde predomina a solidariedade e a paz. A individualização virtual elabora uma sociedade capitalista cujas virtudes são: lutas, conquistas, construções, destruições intermináveis, guerras, domínio, hierarquia para manter o poder e finalmente o materialismo que destrói toda possibilidade de consciência libertária. ps: by MSS.