terça-feira, 20 de janeiro de 2009

FAMILIA


Dentre todos os conceitos originalmente puros que a humanidade como um todo torceu ao longo de sua milenar decadência espiritual, talvez nenhum outro tenha sido mais vilipendiado, mais achincalhado do que o expresso na palavra amor.
Vamos começar pelo amor ao próximo.
No que se transformou hoje esse sentimento que é condição necessária e suficiente para o modo correto de vida?
Virou, em face da vida vivida, sinônimo de apatia, de fraqueza e de moleza, de condescendência imprópria, confortável, para com os erros e falhas dos semelhantes sendo, pois, o que se pode pensar de tão quase que inacreditável caso.
O amor ao próximo é hoje um amor complacente, falso, que com palavras doces anestesia, sim, temporariamente a dor daquele que errou, mas o impede de reconhecer a causa do sofrimento, o que infalivelmente força a repetição futura desse mesmo sofrimento.
Um amor, quando sem pretensão proporciona, sim, um alívio, mas, ao preço da infelicidade anteriormente vivida que magnanimamente deixou de distribuir esmolas aos carentes deste amor sem, contudo, lhe subtrair o tesouro da dignidade.
Falamos de um amor que enxuga, sim, prontamente as lágrimas do sofredor, não apenas para que este possa divisar mais nitidamente o sorriso beatificado a emoldurar o semblante compadecido de seu amoroso consolador como, também, para que tenha forças para viver.
Tem-se, pois, que amor ao próximo não pode ser isso tão somente uma vez que amor, amor verdadeiro ao próximo é dar a ele, antes de tudo, aquilo que lhe é útil, independentemente se isso lhe causa ou não alguma alegria efêmera.
É mostrar de forma clara, até mesmo contundente, os erros cometidos, os quais sempre retornam ao gerador na forma de sofrimento contínuo.
É dar apoio irrestrito, sólido, a quem realmente se esforça em suplantar suas fraquezas; é ampará-lo na travessia do árduo caminho do reconhecimento do erro, mesmo que seja entre soluços e lágrimas de ambos.
Isso não quer dizer que aquele que da pode se redimir do erro dando como, da mesma forma, a mãe que nega a maternidade pode estar confinada ao amargo saber de sua incapacidade de amar, de sua capacidade de em não ser nada mais do que semelhante ao ser humano.
Unicamente o reconhecimento pessoal da atuação errada, implacável e abrangente, é capaz de fazer alguém mudar de modo radical a sua sintonização interior. E tão-somente a voluntária mudança dessa sintonização pode interromper de vez o ciclo aparentemente sem fim do sofrimento intermitente.
Agora, quando alguém se vê desprovido deste amor; não do amor da Vênus Pandomônia, mas, sim do amor oriundo da energia de Eros, que faz referência a tudo o que pode sintetizar-se como amor, incluindo o amor a si mesmo, aos pais, aos filhos, à humanidade, ao saber e aos objetos abstratos.
Nele convergem pulsões parciais de ternura, ciúme, inveja e desejos sexuais orientados para os mesmos objetos. O amor é, assim, apresentado – segundo Freud – como uma ampliação do conceito de sexualidade e ao mesmo tempo ancorado na inadequação radical dos objetos à satisfação sexual, vinculada a um fator de desprazer inerente à sexualidade humana [1] e, ao mesmo tempo, de acordo com o tempo em que o ser humano vive neste plano está ancorado na necessidade de se ter, de doar, de em fim, de também ser amado ou, amada.
[1] Valdivia, “ A Linguagem Interminável dos amores”.